sábado, 1 de maio de 2010

Abate sistemático de árvores no Jardim do Príncipe Real

Requalificação está perto do fim, mas há dúvidas que persistem. Autoridade Florestal diz que tem acompanhado a obra, mas afirma que era necessário um parecer prévio


Há máquinas a trabalhar. Pavimento ainda a ser calcetado. Bancos de jardim empilhados. Areia remexida. E ainda lódãos a seco sobre a terra, por plantar. Passados mais de cinco meses desde o início das obras no Príncipe Real, em Lisboa, o jardim histórico ainda não tem dia certo para reabrir. Mas, segundo fonte oficial do pelouro dos Espaços Verdes da Câmara Municipal de Lisboa (CML), o jardim reabrirá em três semanas.

O ritmo aumenta para quebrar o atraso e se volte a usufruir do jardim. As obras, que tinham uma previsão de quatro meses, começaram no dia 9 de Novembro passado, mas foi no dia 23 daquele mês que as dúvidas tomaram de assalto população e comerciantes. Começou o abate de árvores. A "indignação" surgiu, "porque o abate era sistemático", recordou ao DN Jorge Pinto, dos Amigos do Príncipe Real.

O restauro era necessário, consideram, mas não esperavam tal abate. O folheto distribuído nas caixas de correio indicava apenas "substituição de algumas árvores". No entanto, o projecto inicial, datado de Janeiro de 2009, já previa a substituição de 62. A 26 de Novembro, o vereador José Sá Fernandes garantiu ao DN que era necessário pelo menos o abate de "meia centena de árvores", por estarem "doentes" e ser "inevitável substituí-las". Mas no decorrer das obras, algumas conseguiram escapar ao plano das 62. Até agora foram cortadas 54 (ver caixa).

Alguns comerciantes e população não acreditavam que as árvores estivessem todas doentes e procuraram informar-se, junto das entidades, nomeadamente da câmara, mas os documentos tardavam e alguns pareciam não existir. As dúvidas persistiram, algumas alimentadas pelo cenário caótico que alcançavam através do gradeamento.

Contactada pelo DN, a Autoridade Florestal Nacional (AFN), entidade que compete "manifestar-se sobre as obras de requalificação, assim como indicar as medidas para salvaguardar o estado vegetativo das árvores", uma vez que existem árvores classificadas, afirma que "não houve um claro pedido de parecer formal por parte da câmara". Citando um relatório enviado à autarquia no dia 18 de Março, a AFN afirma que não tinha conhecimento do abate de quaisquer árvores, e adianta que "um, em tão grande número, é uma medida negativa para a memória afectiva das pessoas, assim como a população devia ter sido mais bem informada, e o abate faseado".

A legislação vigente prevê que qualquer árvore classificada tem uma área de protecção. Por isso, é da competência da AFN a emissão de um parecer sobre a intervenção nas áreas de protecção ou que possa afectar essas árvores num perímetro de 50 metros desde a base. Estes pareceres "não podem ser emitidos por municípios nem outras entidades, sem que exista um parecer prévio conjunto da AFN e do Igespar (Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico)". O DN contactou ontem o Igespar, mas em tempo útil não foi possível obter resposta.

Segundo a AFN, a câmara e a AFN tiveram duas reuniões, a pedido da autarquia. Uma a 29 de Setembro de 2008 e a outra em 2 de Dezembro do ano passado, quando as obras já tinham começado e pelo menos três dezenas de árvores tinham sido abatidas para substituição. "Às vezes a carroça anda à frente dos bois e podemos estar perante uma situação dessas", disse fonte oficial da AFN.

Apesar da "informalidade" e de ser dever da câmara enviar "um ofício e cumprir prazos estipulados na lei", o documento citado indica que "as obras não devem parar", mas apela "à melhoria do diálogo" e, no futuro, "em situações semelhantes o processo possa decorrer em tempo útil", evitando "danos" para a vegetação. A AFN adiantou que há um técnico que acompanha as obras e que a câmara os tem informado sobre as intervenções.

Fonte oficial do gabinete do vereador José Sá Fernandes garante "que as autoridades competentes acompanharam o processo e foram informadas". Contactada pelo DN, disse que CML "admite e já admitiu que o abate podia ser faseado", adiantando que o "jardim vai ficar renovado, terá mais luz, mantendo os traços originais". (DN)

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