quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Casas sem instalações sanitárias estão paredes-meias com hotéis de luxo

Paredes-meias com hotéis e habitações de luxo em Lisboa, existem casas em que os moradores partilham a sanita com o vizinho num vão de escada ou num pátio devido à falta de saneamento básico.

Só em Alcântara existem cerca de meio milhar de famí­lias que vivem nestas condições, mas estes casos espalham-se por outras freguesias da cidade, como Campolide, Ajuda e Beato.

A cerca de 500 metros de um dos melhores hotéis de luxo naquela freguesia lisboeta, existem dois prédios de trás andares em que os moradores vivem em condições miseráveis.

No patamar de cada andar existe uma retrete onde os moradores despejam os dejectos. O cheiro, que já não é sentido pelos inquilinos, é incómodo para quem entra nos edifícios, onde o perigo espreita em cada degrau das escadas, que estão quase em ruí­na, assim como as paredes, que já não têm estuque e de onde sobressaem os fios de electricidade.

No segundo andar de um prédio da Travessa do Giestal mora Irene Lemos, 85 anos. Ali criou quatro filhos, uma tarefa difícil para quem não tinha sanita, nem banheira.

«Dava-lhes banho em alguidares grandes. Era um trabalhão, mas andavam sempre asseados», contou à agência Lusa a idosa, muito franzina, mas com um olhar de quem não desiste de um sonho: «Ter uma casa de banho dentro de casa».

Com o passar do tempo, o facto de não ter instalações sanitárias tornou-se penoso: «Tem sido difícil viver assim, mas ultimamente tem-se agravado devido à idade», confessou Irene Lemos, enquanto mostrava a casa.

Debaixo do lava-loiça tem um balde que despeja no final do dia. Na sala tem uma máquina de lavar, cuja mangueira obrigou a fazer um buraco na porta para poder despejar a àgua na sanita do prédio.

Nas traseiras do mesmo hotel, vive Júlia, mãe de duas crianças, uma delas ainda de colo.
O pátio onde vive tem dois sanitários comuns para os moradores, mas as condições não são as melhores.

«Os meus filhos fazem as necessidade num bacio em casa, mas eu e o meu marido vamos à casa de banho na rua seja de noite ou de dia», disse Júlia à Lusa, contando ainda que toma banho em casa da mãe ou da sogra porque a casa de banho do pátio «não tem muitas condições».
«É muito triste viver assim», disse em tom de desabafo, apelando às autoridades para olharem para estas situações: «Em vez de andarem a fechar casas com casas de banho davam-nas a quem precisasse delas».

Num prédio de gaveto na Rua da Cascalheira, em Alcântara, Lucinete Galego, 87 anos, luta diariamente para fazer a higiene diária com o medo que o tecto lhe caia em cima.

Para remediar a falta de casa-de-banho, o marido da idosa, que entretanto já faleceu, instalou na cozinha, muito exí­gua, uma sanita, um lavatório e um chuveiro, que agora não pode utilizar porque o tecto está em risco de ruir.

«Agora tenho de encher um balde e lavo-me como os gatos», contou com graça, revelando que gostava de ter «tudo arranjadinho para fazer a sua vida normal», apesar de já não poder sair à rua devido à idade, mas também ao elevado estado de degradação em que as escadas de madeira do prédio se encontram.

Durante uma visita à freguesia de Alcântara, o presidente da Junta de Freguesia, José das Neves Godinho, disse à agência Lusa que as estimativas apontam que há cerca de 500 famílias a viver nestas condições.

Muitas famílias têm condições sanitárias porque foi a Junta de Freguesia que as instalou, inicialmente fazendo balneários em zonas descentralizadas da freguesia e depois instalando casas de banho nas próprias casas, referiu o autarca.

«Como se vê, há zonas ricas junto de zonas paupérrimas. Pátios miseráveis ao lado de coisas muito ricas e isso entristece-me bastante», sublinhou, considerando «inadmissível» a existência destas situações na capital do país.

Segundo o autarca, esta situação afecta principalmente idosos, mas também jovens que têm de voltar para casa das famí­lias por não terem condições para alugar ou comprar um casa na cidade.
Os dados mais recentes do Instituto Nacional de Estatística (INE), relativos a 2005, indicam que quatro por cento da população de Lisboa - que segundo o Censos 2001 é de 555.797 habitantes - não tem acesso a sistema de esgotos.

De acordo com o Censos 2001, existiam 12.767 pessoas que não tinham sanita no alojamento e 62.828 tinham-na fora de casa.
SAPO/LUSA

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